quarta-feira, 16 de abril de 2008

No museu da imagem, em Braga


Num quadro
A minha avó


Era pequena, magra, com o rosto enrugado, muito engelhado pelo tempo longo que vivera. O seu rosto fino, mas com as maçãs salientes apresentava um bigode que impunha respeito. Andava rápido, mas com passos curtos e certinhos, como se fossem bem medidos.
Tivera três filhos que criara sozinha com grande tenacidade. Afastara desde jovem todos os pretendentes. Era, frequente, ouvi-la resmungar quando os homens a cumprimentavam atenciosamente. Os filhos, esses, deram-lhe alguns problemas. Os problemas próprios de rapazes criados com um pai ausente no Brasil, que nunca se interessara por eles. Trabalhava no campo, cuidava da casa, nunca parava. Comia frugalmente, mas gostava do seu copito. Quando, um dia, pela primeira vez, consultou um médico, pediu-lhe encarecidamente que não lhe tirasse o vinho, pois esse alimentava-lhe o corpo franzino e a alma enegrecida pelas desventuras da vida.
Por vezes, teve que ser dura com os filhos, principalmente com o mais velho e frequentemente se esqueceu da doçura e do olhar de mãe. Aliás, nunca soube bem o que era a felicidade, que tantos falam, de ser mãe. Para ela a maternidade consistiu em proporcionar a sobrevivência dos filhos.
Nunca se lamentava e quando com noventa e dois anos de idade, um dia, pela primeira vez na vida, disse: “sinto-me cansada”, morreu. Morreu tranquilamente, com a doçura de um passarinho ferido. Doçura essa, que contrastou com a vida que levara, dura, difícil.
O seu rosto, agreste como a vida que por ela passara, repousou, com as rugas ainda mais vincadas.
Era assim a minha avó.

Conceição Gonçalves
Museu da Imagem – “As rochas”

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